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Estadão - Caderno 2


Grupo de Rua de Niterói mostra em Londres a sua mais recente produção, H3, síntese de trabalho iniciado em 2001


Helena Katz


Para uma companhia sul-americana, não é pouca coisa apresentar a sua dança no Sadler?s Wells, em Londres. Reconhecido como o endereço referência da dança para grandes plateias, apresenta, hoje e amanhã, o Grupo de Rua de Niterói. A companhia fluminense, criada e dirigida por Bruno Beltrão, seu coreógrafo residente, fará parte do programa Sadler?s Wells Debut (Estreia no Sadler?s Wells), onde dançará H3, sua mais recente produção. Trata-se de uma programação para novos coreógrafos mostrarem seu trabalho em espetáculos com ingressos a £10 (cerca de R$ 32,25), preço muito abaixo do que habitualmente a casa pratica.


No site do teatro (http://www.sadlerswells.com), Bruno Beltrão é apresentado como quem "está distendendo os limites da dança contemporânea em um território inteiramente novo, misturando influências diversas, incluindo o hip-hop, para criar uma linguagem coreográfica totalmente renovada". E esta é mesmo uma boa síntese para o que ele, de fato, vem realizando desde março de 2001, quando, a convite do Sesc Copacabana, criou Do Popping ao Pop para a Mostra Duos de Dança. Iniciava aí um tipo de repertório muito distinto daquele com o qual tinha estado envolvido até então, diretamente ligado às práticas de dança de rua mais disseminadas. Hoje, o repertório da companhia conta com mais cinco obras: Eu e Meu Coreógrafo no 63 (2001), Too Legit to Quit (2002), Telesquat (2003), H2 (2005) e H3 (2008). E nelas o entendimento é bem outro, propondo um olhar autoral para o universo de onde o grupo vem.


Tudo começou com Do Popping ao Pop, porque essa obra mudou o posicionamento do Grupo de Rua de Niterói que Bruno Beltrão e Rodrigo Bernardi haviam fundado em 1996 com frequentadores dos festivais competitivos. O sucesso foi instantâneo e, no ano seguinte, o grupo já estava sendo programado em festivais internacionais.


Beltrão não cansa de dizer que foi o seu percurso na graduação em dança da UniverCidade, no Rio de Janeiro, onde ingressou em 2000, que o fez descobrir uma possibilidade diferente de olhar para o que vinha fazendo. Do Popping ao Pop nasceu dessa vivência universitária traduzida no desejo de experimentar novas articulação do velho vocabulário, e de testar um descolamento entre coreografia e música.


Ainda em 2001, coreografou também Eu e Meu Coreógrafo no 63, e suas perguntas já eram outras. Tinha se voltado para enfrentar a especificidade dos movimentos. Por intermédio da sua nova montagem, perguntava: qual a singularidade do movimento da dança de rua quando ele se materializa em um corpo interessado em deslocá-lo para o terreno da dança contemporânea? 


No ano seguinte, em novembro de 2002, surgiu Too Legit To Quit e, em 2003, Telesquat. As duas produções revelam preocupações que se aproximaram das do coreógrafo francês Jérôme Bel, um entusiasta da obra de Bruno Beltrão. Bel, com o seu prestígio, abriu caminhos para a internacionalização do Grupo de Rua de Niterói ao atuar como um fiador da sua qualidade, quando isso ainda era necessário. Too Legit to Quit e Telesquat estão povoadas por tecnicalidades, o que acaba por implicar montagens mais complexas que as que lhes antecederam - fator a ser levado em consideração para o entendimento de seu baixo índice de circulação no Brasil. 


Depois delas, felizmente, Beltrão volta a pensar com o corpo os diálogos possíveis entre a dança contemporânea e um certo mundo povoado por muitos tipos de dança (que a mídia nos treina a continuar nomeando pelo nome único de hip-hop, mas ele inclui, por exemplo, break, popping, locking, etc.). Em H2 (2005) e H3 (2008), abandona os excessos, sobretudo de Telesquat, e aprofunda os desvios do padrão das danças do mundo hip-hop. Também em 2005, Bruno é consagrado pela revista BalleTanz como coreógrafo revelação. 


H2 vai propondo novas gestualidades que, em H3, se tornam também novos modos de lidar com o outro. No ambiente onde a tônica é cada dançarino apresentar sozinho a sua dança, aparece um outra maneira de mostrar, na qual os nove do elenco começam a aprender como é que se faz dança junto. Começam a se aproximar uns dos outros, mas ainda precisam se afastar. Mantêm muitos dos protocolos do tipo de ambiente que pretendem deixar, e fazem do virtuosismo a ponte entre eles.


A extensa quilometragem do grupo fora do Brasil inclui países do roteiro mais habitual (Argentina, Portugal, Espanha, França, Áustria, Holanda, Alemanha, Inglaterra, Escócia, Canadá, Itália, Suíça, Bélgica), e também outros, menos usuais como Luxemburgo, Finlândia, Japão, Cingapura, Croácia, Coreia do Sul, Marrocos, Jordânia, Líbano, Tunísia, Síria e Egito. No próximo ano, o Grupo de Rua de Niterói fará uma longa turnê pelos Estados Unidos, de 7 de janeiro a 6 de março, passando por 14 cidades e fechando a temporada em Nova York. E, na sequência, de 20 de abril a 11 de maio, seguirá para mais outra agenda lotada de espetáculos na Europa. 


Uma curiosidade: o maior festival de hip-hop do Reino Unido, Breakin? Convention, ocorre anualmente no Sadler?s Wells. São três dias de casa lotada e demais atividades distribuídas durante o ano todo em outras localidades.

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