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Longe dos estereótipos da rua

ROBERTO PEREIRA 

CRÍTICA 

Toda referência ao trabalho que o coreógrafo Bruno Beltrão vem desenvolvendo sempre aponta para uma suposta relação que ele estaria inaugurando de forma exemplar entre a dança de rua, seu ponto de partida, e a dança contemporânea. Com H3, seu novo espetáculo que estreou no Rio de Janeiro como parte da programação do Festival Panorama de Arte, na sexta-feira e no sábado, no Teatro Villa-Lobos, tem-se a oportunidade de perceber que essa suposta relação é apenas um modo mais cômodo de se lidar com algo absolutamente novo que Beltrão nos oferece.

Na verdade, trata-se antes de uma “dança de rua contemporânea”, alcunha que talvez nos auxiliasse a pensar o que se promove na cena em H3. O que ali é mostrado é uma dança de rua viva, mutante, por isso contemporânea, como assim o é qualquer gênero de dança em que criação e descoberta façam parte de sua constituição. Esqueça um hip hop envelhecido, que ainda teima em parecer arremedo de videoclipe. Na cena de Beltrão, a discussão é outra, e o velho vocabulário explode em nuanças que são pensamentos coreográficos.

A iluminação é de uma sofisticação ímpar. O figurino é mais do que a roupa usual de quem faz dança de rua. A trilha sonora funciona mesmo como uma espécie de trilha a ser perseguida. E o cenário é eficaz em sua economia. Mas o que impacta são as novas investidas de uma ocupação de espaço que os excelentes bailarinos vão imprimindo na cena. O duo de Eduardo Hermanson e Danilo Pereira atesta isso com a propriedade de quem sabe exatamente de que textura sua dança é feita.

Todo o movimento que se apresenta é perpassado por um pensamento de uma dança tão viva, tão contaminada pelas questões atuais do mundo, que não há como não reconhecer que não se trata de dança de rua em diálogo com a dança contemporânea, embora esteja ocupando lugar na programação de um festival dedicado a essa última. Em H3, o que se tem é dança de rua contemporânea. Mas, para muito além disso, se tem na verdade uma dança cuja qualidade é algo intrínseco, o que a faz prescindir definitivamente de rótulos.

O que ali é mostrado é uma dança de rua viva, mutante, por isso contemporânea, como assim o é qualquer gênero de dança em que criação e descoberta façam parte de sua constituição.

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